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quarta-feira, 3 de maio de 2023

O adicional de insalubridade deveria ter sido mesmo retirado?


É o que tem se questionado na CAEMA nos últimos dias e que pede certa calma e reflexão por parte tanto dos empregados, quanto do empregador.

Insalubridade e Periculosidade 

Insalubridade significa condição ambiental nociva para a saúde, ou seja, local ou atividade onde o ser humano fica exposto a um agente nocivo a sua saúde. Às vezes as condições insalubres são confundidas com as perigosas, embora também representem perigo, explico: insalubridade e periculosidade não são a mesma coisa, sendo que atividade insalubre é aquela cujo agente nocivo pode degradar aos poucos a saúde do trabalhador, ameaçando seu organismo e o prejudicando com o passar do tempo. Já a atividade perigosa, é aquela em que vida do trabalhador está ameaçada por evento repentino, independente do tempo de exposição.

O pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade não evitam ou reduzem os riscos, mas compensam a exposição do trabalhador aos agentes e condições perigosas. No Brasil o adicional de periculosidade é pago com base em laudo técnico e corresponde a 30% do salário base do trabalhador, enquanto o adicional de insalubridade necessita de um laudo mais detalhado e seu pagamento depende do grau de risco do agente e do tempo de exposição, podendo variar de 10% para risco leve, 20% para risco médio e 40% para risco alto, considerando neste caso como base de cálculo o salário mínimo vigente e não o salário base do trabalhador.

Corte do adicional de insalubridade 

Recentemente, o corte do adicional de insalubridade de vários funcionários da CAEMA que já o recebiam há muitos anos levantou muitos questionamentos sobre a forma e o mérito da medida. Ocorre que houve o desconto com base em um laudo técnico que a maioria dos afetados desconhecia e o próprio desconto foi realizado sem um prévio aviso com tempo hábil para uma preparação, o que deixou muita gente em situação difícil.

Cabe nesta reflexão frisar que é legítimo o interesse do empregador em otimizar a aplicação de recursos, incluindo uma gestão economicamente saudável da folha de pagamento, remunerando, por exemplo, seus empregados com os adicionais legais, mas apenas aqueles que possuem de fato o direito. A questão é se a forma como foi feito foi correta e se de fato a condição insalubre correspondente não existe onde todos acreditavam.

Sendo assim, vale nossa contribuição para ajudar a trazer clareza sobre essa questão e se possível, ao entendimento das autoridades da Companhia e também de seus colaboradores, incluindo aqueles que foram atingidos pela mudança. Sabendo que na tentativa de acertar, muitos erros podem ser cometidos, estando todos nós sujeitos a isso e dependendo da abrangência de uma decisão, acertada ou não, muitas pessoas poderão ser atingidas. Isso tudo requer de uma parte extrema atenção e da outra muita calma, visto que tudo pode ser reanalisado.

Dito isto, vamos aos fatos, a algumas bases legais e procedimentos adotados no país para concluirmos, de maneira pessoal, se a mudança é cabível ou não.

Os ambientes de trabalho na CAEMA são muito diversos e por isso não cabe generalização em uma análise técnica. Sendo assim, vou me ater ao caso específico do meu local de trabalho, mas a compreensão do caso concreto pode trazer luz a outros ambientes e atividades eventualmente questionados, porém, por uma questão de ética profissional, não revelarei estruturas ou procedimentos internos chaves da Companhia sem uma autorização para tal, apenas procedimentos genéricos conhecidos na indústria e na literatura, aplicáveis ao caso concreto.

Que Laudo é esse?

A primeira coisa que devemos ter em mente é que a Companhia possui um serviço especializado dedicado a essas questões e que na falta de equipamentos adequados ou pessoal disponível para levantamento de dados, um prestador de serviços terceirizados pode ser contratado e sua produção será recebida na forma de assessoria técnica, devendo a companhia, preferencialmente através de seu SESMT, validar ou não as informações coletadas.

Em segundo lugar, devemos compreender que os laudos técnicos sobre matéria de segurança do trabalho são regidos por legislação específica e nesse caso temos dois tipos de laudos em particular, cada um obedecendo a uma legislação específica:

Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), regido ou citado indiretamente por normas previdenciárias, como o decreto 3.048/99 e decreto 10.410/2020, que tratam da Previdência Social. O LTCAT é, portanto, uma ferramenta de natureza previdenciária.

Os Laudos de Insalubridade e Periculosidade, entretanto, são regidos por normas do Ministério do Trabalho, especificamente as NRs 15 e 16, que são uma complementação ao capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), portanto são regidos por legislação trabalhista.

Opa! Precisamos então desse esclarecimento.

O trabalho em questão, segundo  notificação da Gerência de Pessoas, suprimiu o adicional de alguns funcionários com base em um Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), o que me chamou bastante a atenção pelo fato de que esse documento tem natureza previdenciária e não trabalhista, ou seja, o LTCAT é utilizado para auxiliar o PPP (perfil profissiográfico previdenciário) na análise de concessão da aposentadoria especial e sua metodologia não serve para determinar pagamento ou supressão de adicional de insalubridade, este determinado pelo Laudo de Insalubridade, com metodologia diferente. Mas ok, muitos técnicos optam por fazer o LTCAT contendo também uma segunda conclusão, esta relacionada ao adicional de insalubridade, mas que precisa sim de uma segunda análise e o LTCAT sozinho não contempla. Resta saber como foi feito o LTCAT e se os laudos de insalubridade foram a este unificados, com as conclusões extraídas separadamente, pois se assim não for, a medida terá sido equivocada.

Você já deve ter ouvido que não é porque o trabalhador recebia insalubridade que terá automaticamente direito a aposentadoria especial, mas talvez não compreendeu o porquê, pois considere isto, que LTCAT e Laudo de insalubridade não têm nada a ver uma coisa com a outra por servirem a propósitos diferentes e somente o laudo de insalubridade pode ou não indicar pagamento de adicional de insalubridade, assim como somente o LTCAT e o PPP vão determinar direito a aposentadoria especial.

O que a notificação diz é que um LTCAT foi a base para o corte, o que me parece um procedimento bastante equivocado e que, portanto, o ato deve ser corrigido. Um novo laudo? Sim, claro, mas por se tratar de uma possível retirada de direito, dessa vez com o acompanhamento presencial do SESMT, do Sindicato e do trabalhador interessado.

Essas metodologias normalmente são determinadas no Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR, elaborado pela empresa e necessário para evitar possíveis confusões sobre o tema. Ou seja, primeiro deve existir um PGR, depois o LTCAT e os Laudos de Insalubridade e Periculosidade. O PGR também auxilia os técnicos, incluindo a assessoria técnica terceirizada, no levantamento de dados por lhes apresentar melhor os procedimentos laborais e otimizar a coleta de informações.

No meu local de trabalho os agentes insalubres são produtos químicos, principalmente o cloro gasoso e o hidróxido de cálcio. O cloro gasoso, por exemplo, tem seu limites de tolerância, segundo a NR-15, em 0,8ppm (0,8 partes de vapor ou gás  por milhão de partes do ar contaminado) e qualquer concentração acima dessa no ambiente representa enquadramento para fins de adicional de insalubridade ao trabalhador.

Ocorre que os funcionários em questão alegam que a medição não foi feita corretamente e nem sobre as atividades de todos os envolvidos, nem mesmo em todos os ambientes, mas apenas naqueles demandados naquela oportunidade e que mesmo ali houve ocorrência de vazamento de cloro detectado pelos sensores e alarmes da ETA, assim como também pelos presentes, mas que por algum motivo o laudo técnico não registrou. Alegam ainda que somente um ponto do ambiente foi medido, aquele correspondente a sala de cloro, mas que presença do gás é constante em diversas outras partes da Estação e não apenas próximos ao sistema de cloro. É importante considerar que o cloro gasoso é injetado na água tornando-a em primeiro momento uma solução altamente concentrada e só depois diluída no fluxo principal, sendo esse interstício suficiente para a evaporação e contaminação do ar por cloro em diversas outras partes da Estação de Tratamento, como podemos ver na imagem abaixo.

Esta placa de ferro ficou totalmente oxidada pela presença de cloro no ar ao ficar exposta por 20 dias a um dos vários suspiros de ar do canal de água em tratamento que passa sob o piso do salão interno da ETA, espaço de circulação e operação de funcionários da área. Vemos que as alças ficaram um pouco fora do alcance dos fluxos de ar e preservaram sua cor original. Essa placa toda preta era cinza claro, pouco tempo antes.

Tanto nos vazamentos frequentes do sistema de cloro, quanto na constante evaporação próxima aos pontos de injeção, além dos canais de água decantada e suspiros de ar no salão dos filtros e em outros pontos de operação regular da ETA, a percepção do gás é acompanhada de irritação e breve sensação de sufocamento quando o operador é surpreendido e isso nos leva ao fato de que um nível de tolerância de 0,8ppm certamente não seria aceito em uma norma regulamentadora se trouxesse esse tipo de reação e que se existe tal desconforto, obviamente a concentração no ar deve estar bem superior. Vide no exemplo da placa metálica da imagem anterior, feita com o mesmo material das alças, mas totalmente corroída em poucos dias pela oxidação causada pelo cloro presente no ar de um dos muitos suspiros que existem dentro da ETA, contato apenas com o ar e não com a água, tamanha a concentração do cloro da evaporação no ambiente de trabalho. Se o cloro disperso no ar faz aquilo com uma pesada placa de ferro em poucos dias, o que fará com a saúde de uma pessoa após anos de trabalho sob essa exposição?

Negociação e motivação 

O mercado de trabalho tem esse nome justamente por ser um mercado, onde a força de trabalho é o produto e em um mercado, tanto o que vende quanto o que compra possuem seus interesses e devem negociar. O que paga não pode simplesmente tomar o produto do comerciante sob a desculpa de que quer pagar menos por ele, ainda mais depois de ter negociado.

A operação é tão importante para uma empresa de saneamento, que em alguns casos a simples exposição a agentes nocivos não é o único objeto de compensação. A Sabesp, por exemplo, pelo menos no Acordo Coletivo daquela categoria, paga um adicional de 15% do salário base apenas por haver trabalho em turno de revezamento, nos termos daquele acordo. Há alguns dias falávamos sobre a linha de frente da CAEMA e hoje sentimos que parte dela parece ter sido um pouco desconsiderada. O operador (todo colaborador da operação e produção) deve ser valorizado e jamais desmotivado nessa função que é tão importante não só para a empresa onde trabalha, mas para toda a sociedade.

Marisio Carvalho 


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J. Silva Itz-MA