Após anos de observação notamos e ouvimos de trabalhadores de setores diferentes a afirmação de que cada um, sob seu ponto de vista, representa a linha de frente da Companhia. Temos então uma questão sobre a qual devemos refletir: O
que é um trabalhador de linha de frente?
Bom,
em primeiro lugar é importante definir o que seria a tal linha de frente e por
que é utilizado entre profissionais de uma mesma empresa.
A expressão “linha de frente” tem origem militar e é muito antiga, faz referência à parcela de um exército, designada para atuar na ofensiva, na primeira linha de defesa ou no reconhecimento do terreno. O termo “linha de frente”, se referindo a um exército em campo de batalha, é citado inclusive na Bíblia, na passagem em que o Rei Davi enviou um soldado para a linha de frente da guerra para morrer e assim poder flertar com a sua viúva, Bat-seba, intenção essa que depois foi revelada ao profeta Samuel contra o então pervertido rei.
“Ponha Urias na linha de frente e deixe-o onde o combate estiver mais violento, para que seja ferido e morra” (2 Samuel 11.15)
A linha de frente militar ficou mais conhecida a partir das conquistas do exército romano em meados do século IV a.C. na península Itálica. Na República romana a linha de frente era formada pelos homens mais jovens e pobres daquela sociedade, eles tinham inclusive que arcar com as suas armas, as hastas, que eram espécies de lanças e que caracterizavam aqueles soldados, mas eram inexperientes e mal armados, motivo de muitas baixas e da ideia de que ser enviado para a linha de frente era o mesmo que se preparar para a morte. Na transição entre a República e o Império, o exército romano passou por grandes reformas creditadas ao general Caio Mário (157-86 a.C.), as reformas Marianas. A partir de então o soldado romano deveria ser equipado totalmente pelo Estado e treinado em altíssima disciplina durante toda a juventude para a guerra, a serviço de seu país por 25 anos e recompensado no final dessa jornada, se ainda estivesse vivo, com terras e dinheiro, o que fazia mais sentido do que encarar a morte apenas pela nação. Assim, os soldados passaram a ser uniformizados inclusive no quesito preparação e a linha de frente tornou-se mais forte do que nunca. |
A chamada linha de frente, no entanto, era algo ainda mais antigo que o grande exército romano, como no caso bíblico citado de Israel, além de muitos outros, a exemplo dos Persas e dos Gregos, estes tendo em uma de suas linhas de frente, naquela que foi a mais gloriosa, o comando de ninguém menos que o próprio Alexandre, O Grande, o maior soldado, conquistador e imperador da Grécia antiga. A linha de frente militar, portanto, sempre teve cheiro de morte, mas também de glória, prestígio e de poder, por isso dizer-se da linha de frente também era motivo de orgulho, inclusive da família do soldado. Esse termo, embora seja tão mais antigo, se popularizou durante a Primeira Guerra Mundial com a chamada frente de batalha ou front line, às vezes chamado apenas de Front, no conflito que ocorreu entre 1914 e 1918 e que pode ser mais de um, dependendo da orientação geográfica das linhas de frente.
Com
o tempo, o termo passou a ser utilizado em outras áreas, como nos negócios e na
indústria, para se referir a trabalhadores que estão na frente da operação e
que interagem diretamente com clientes ou usuários do serviço. Essa mudança no
uso do termo reflete a importância que esses trabalhadores têm em garantir a
satisfação do cliente e a qualidade dos serviços prestados, ou seja, atividade essencial
e cuja tarefa seria a de produzir a riqueza pretendida pela organização, seja
na produção em si ou em sua conversão em recursos financeiros na prática. Dessa
forma, a linha de frente passou a ser aquela força de trabalho que não pode
parar de funcionar, sob pena de parar toda a cadeia produtiva ou a cadeia de
consumo da produção, enfim, parar a fábrica.
Em alguns negócios, como em uma lanchonete, por exemplo, é fácil identificar os trabalhadores de linha de
frente, logo reconhecidos no balcão de atendimento e na cozinha, isso porque existe produção e venda direta ao cliente, sendo assim algo visível aos próprios consumidores, ou seja, se a empresa tem rostos visíveis, ali estão eles. Mas em uma empresa de saneamento, onde não
há venda presencial intermediada por funcionários, mas sim uma produção e distribuição direta ao
consumidor, entregue através de seu próprio terminal, a tarefa de identificar
uma linha de frente se torna mais complicada. Vejamos que até o atendimento presencial se dá em caráter eventual, sendo que normalmente o cliente tem contato com o serviço apenas por meio da distribuição direta da água pela rede fixa instalada e a coleta direta de esgoto pela rede também instalada, com a contrapartida (pagamento) sendo feita de forma indireta através do sistema bancário onde o autoatendimento está consolidado e popularizado. Ou seja, o usuário do serviço, normalmente, não tem contato com os trabalhadores da Companhia para seguirem recebendo o produto e os serviços agregados.
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Semelhanças entre os termos "vestir a camisa" e "linha de frente". |
No ponto de vista da produção principal e dos serviços principais, aqueles que funcionam de forma ininterrupta, a operação e a manutenção são a linha de frente; No ponto de vista da contrapartida dos clientes e manutenção dos recursos financeiros que sustentam a Companhia, a linha de frente está na comercial e no atendimento presencial das unidades; No ponto de vista da gestão, a linha de frente está na cadeia de comando; No ponto de vista do planejamento, a linha de frente está em todos os demais setores que coordenam a produção, a comercialização, o relacionamento com o quadro funcional, o relacionamento com os clientes, com a comunidade e com o poder público. Observemos então que o que chamamos de linha de frente pode ser relativo e pode compreender tanto a operação quanto o administrativo, mas na verdade existe em camadas, talvez pela ordem de percepção do cliente em caso de falta, como no caso da lanchonete quando diminuem os garçons, faltam os atendentes ou o pior, quando faltam os cozinheiros. Temos a oportunidade de pensar sobre isso, por exemplo, nas movimentações e paralisações de natureza sindical, imaginando onde, em qual atividade, em qual circunstância e em que momento uma paralização poderia trazer o caos, mas conscientes de que cada setor paralisado poderia trazer um resultado desastroso em algum momento, mesmo que porventura demore em algum caso.
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Linha de selfie tomando o lugar da linha de frente |
O título informal de "trabalhador da linha de frente" pode ser motivo de orgulho e a auto afirmação nesse sentido como uma espécie de reivindicação de reconhecimento da Companhia por seus serviços de alto valor para a mesma, mas a natureza complexa da linha de frente de uma empresa de saneamento pode transformar a auto afirmação em um divisor incômodo e às vezes muito injusto com trabalhadores em funções distintas e que podem ser muito mais relevantes do que reconhecidas.
O fato é que o termo, por ser a analogia de uma formação tática militar, precisa vir acompanhado da consciência de que um exército não se resume a uma linha de frente e que se fosse assim, cada batalha poderia significar a destruição total dele por não haver nada mais que o sustentasse, mas cada formação, cada tropa, cada frente, cada elemento da estrutura logística e toda a cadeia de comando são fundamentais, pois como nos ensinam as reformas do general Caio Mário, os soldados devem ser bem preparados para cada necessidade, mas o exército é uniforme.
Sendo assim, não importa se é da linha de frente ou não, cada trabalhador da CAEMA é importante e precisa ser valorizado, inclusive pelos seus próprios colegas.
Marisio Carvalho
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J. Silva Itz-MA